Os planos de saúde perdem clientes no estado de São Paulo ano após ano, mas os processos não param de crescer, revela pesquisa da Faculdade de Medicina da USP. Entre janeiro e abril deste ano, a justiça paulista julgou 10.313 ações de primeira e segunda instância, contra 1.864 no mesmo período de 2011, primeiro ano do estudo – um aumento de 453%.
O número também subiu em relação a 2017, quando foram julgados 9.027 processos nos primeiros quatro meses do ano. Foram 124,2 decisões por dia até agora em 2018, levando em conta os 83 dias úteis do período.
O volume das decisões judiciais cresce, embora a quantidade de clientes de planos esteja caindo. Em marços de 2018, 17,3 milhões de pessoas tinham cobertura particular no estado, 235,8 mil clientes menos do que o registrado em março de 2011.
“No momento em que há uma retração de clientes e aumento de ações, isso quer dizer que há uma permanência de práticas abusivas por parte dos planos e uma fiscalização ineficiente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar)”, afirmou um dos responsáveis pelo estudo, o professor e pesquisador da USP Mário Scheffer.
“Eu contesto as duas conclusões”, rebate o diretor-executivo da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), José Cechin. “Primeiro, a fiscalização na ANS é rigorosa, eles emitem grande quantidade de notificações. A segunda é uma conclusão apressada: parece que o serviço piorou, mas é o consumidor que está mais consciente de seus direitos, mais disposto a reivindicar e com mais meios para fazer isso.”
De acordo com o levantamento, a cidade de São Paulo concentra mais da metade dos processos: das 3.870 decisões de segunda instância em 2018, 2.083 foram na capital. Em seguida, aparecem São Bernardo (176 decisões), Santo André (136), Campinas (110), Santos (95), e Ribeirão Preto (61).
Do que as pessoas reclamam?
Nesses primeiros meses de 2018, a maioria dos 3.870 julgamentos de segunda instância reclamava de exclusão de coberturas ou da recusa de atendimentos: 50,9% das decisões. O segundo motivo (28,2%) foi o reajuste das mensalidades.
Os mais prejudicados são os idosos: 28,7% de quem foi à justiça no primeiro quadrimestre de 2018. Em estudo anterior, a Faculdade de Medicina da USP revelou que os usuários ganharam 92,4% dos processos em 2013 e 2014. Em 88% dos casos, a reclamação foi totalmente acolhida pelo juiz.
Para o pesquisador da USP, as queixas refletem diversos problemas. Um deles é a demora de dois anos que a ANS leva para atualizar o rol de procedimentos que os planos devem cobrir. Já para o diretor da FenaSaúde, alguns consumidores reclamam de contratos antigos, com cláusulas de 70 anos atrás.
Outra razão, diz Scheffer, da USP, é a “proliferação dos falsos planos coletivos”. É que os planos individuais, cujo reajuste é definido anualmente pela ANS, são cada vez menos oferecidos pelo mercado. Como os planos coletivos estão livres de regulação, “são oferecidos planos em que basta o usuário apresentar um CNPJ ou aderir a alguma associação”, explica Scheffer. “No começo cabe no bolso, mas depois o preço aumenta, e isso desemboca na Justiça.”
“Esse `falso coletivo´ é usado de forma equivocada”, diz o diretor da FenaSaúde. “Falso é o que não poderia existir na regulação, mas ela permite que um empresário individual tenha um plano. Falsificação é criar um vínculo empregatício que não existe só com o objetivo de conseguir um plano de saúde.”
O professor também cita a oferta cada vez maior de planos populares, mais baratos. “Eles têm menor preço, mas a cobertura é baixa e a rede assistencial é pequena. Se persistirem a liberação desses produtos, certamente vai aumentar a judicialização.” Para Cechin, “os consumidores e suas entidades demandam planos mais baratos. Nós os convidamos a ajudar a construí-los. Quais os itens de conforto que você vai abrir mão para ter um plano que caiba no bolso?”
Mais processado que o SUS
Em todo o ano de 2017, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou 30.117 ações contra planos de saúde, média de 119,5 decisões por dia. Esse foi o maior volume de sentenças já registrado pelos pesquisadores. Em 2011, por exemplo, haviam sido 7.019 processos julgados, um crescimento de 329%.
Entre 2011 e 2017, o tribunal julgou – em segunda instância – mais causas envolvendo planos de saúde (70.722 decisões) do que o SUS (53.553 decisões). O número surpreende porque o Sistema Único atende, potencialmente, toda a população do Estado de São Paulo, formada por 48,5 milhões de habitantes.
“O perfil das ações é diferente”, explica o professor. “A judicialização do SUS tem mais a ver com o pedido de medicamentos não fornecidos. Não acho que é por ser grátis. Se a gente olha as ações contra o SUS na primeira instância, que não é a definitiva, os gestores tendem a fornecer o que é pedido, e talvez haja menos recostos a outras instâncias.”
O estudo contabilizou apenas decisões finais (sentença na primeira instância e acórdão na segunda instância) e que não correm em segredo de Justiça. Isso significa que o total de ações contra planos de saúde em tramitação é ainda maior.
“Temos uma explosão de judicialização contra os convênios. O que chama a atenção é que essa tendência se mantém inalterada mesmo com a mudança de estratégia dos planos para convencer o judiciário a não acatar as demandas, como parcerias firmadas nos últimos anos”, conclui o professor.
Fonte: Portal UOL